Num ciclo BPM típico, o processo TO-BE é desenhado em conjunto com a área de negócios. A partir daí, de acordo com um conjunto de critérios e avaliações, pode-se optar por seguir o ciclo e efetuar a automatização deste processo numa ferramenta de BPMS.
Durante a implementação e testes de processos automatizados, um dos questionamentos mais recorrentes dos usuários de negócio é de como o fluxo do processo automatizado ficou diferente da visão TO-BE que foi desenhada com a participação deles. Frequentemente existe o questionamento de que o processo automatizado ficou mais “poluido” e com “muitas caixinhas a mais” em relação ao modelo TO-BE original.
Vejamos o processo fictício abaixo, desenhado em um nível mais genérico:
O que podemos concluir deste processo?
- Não existe a preocupação em detalhar em nível mais baixo/operacional as atividades, e sim mostrar uma visão de alto nível do processo, para auxiliar na compreensão do mesmo como um todo;
- Algumas atividades podem estar ocultas, ou podemos ter uma atividade que encapsule outras (caso por exemplo da atividade “Geração e Envio da OC” – possivelmente 2 atividades separadas?);
- Não está claro se as atividades são de responsabilidade de uma pessoa ou sistema;
- Não fica claro qual exatamente é o responsável pela atividade, pois a divisão de roles foi feita em nível departamental, e não em papéis/funções (não entrando no mérito se esta seria a melhor abordagem de modelagem).
Este processo cumpre seu papel ao mostrar em um nível mais genérico qual o processo de execução de compras da empresa. Para fins de automação, no entanto, este processo não está no nível adequado. É necessário então um trabalho de levantamento no detalhe da execução deste processo, definindo todas as atividades, responsáveis, regras de negócio, automações, etc.
Vamos agora analisar o mesmo processo anterior, mas desenhado em um nível mais analítico, já em preparação para a automação:
Podemos notar uma série de diferenças em relação ao processo anterior:
- Atividades que na visão TO-BE eram uma só, agora foram separadas em atividades diferentes (atividades “Geração da OC” e “Envio OC fornecedor”). Percebam que o contrário também pode ser verdadeiro, ou seja: 2 ou mais atividades no modelo TO-BE podem virar apenas uma atividade no modelo automatizado;
- O nível de granularidade do processo mudou: em vez de lanes em nível departamental, agora temos exatamente qual o papel/função que executa cada atividade;
- Utilizando elementos visuais, foi especificado qual o tipo de cada tarefa (humana, automática, email);
- Foi estabelecido um controle de tempo de execução das atividades, e envio de alertas por email caso as atividades não sejam executadas no seu prazo.
Assim, um processo que no nível TO-BE tinha apenas 3 atividades, virou um processo automatizado com 11 atividades. De certa forma, é fácil entender a perplexidade dos usuários, não?
Vamos tentar entender os motivos porque isso acontece. Durante o detalhamento do processo em preparação a automação, uma série de regras de negócio e de execução do processo são definidas, regras estas que não estavam visíveis no desenho do processo TO-BE. Isso acaba gerando necessidades adicionais na modelagem do processo automatizado, como por exemplo:
- Buscar dados de apoio numa base de dados, para exibição nas atividades do processo;
- Fazer transformação de dados entre atividades;
- Buscar valores de parametrização utilizados pelo processo em sistemas de Back-Office;
- Invocar procedimentos ou serviços específicos relacionados a regras do processo (ex: serviço institucional para calcular o prazo de uma atividade);
- Etc.
A “multiplicação” de atividades no modelo automatizado em relação ao modelo TO-BE está ligado, principalmente, aos seguintes fatores:
- Nível de detalhamento do modelo TO-BE. Em linhas gerais, quanto mais detalhado um modelo TO-BE, maiores são as chances do modelo automatizado ficar semelhante;
- Recursos e possibilidades de automação da ferramenta de BPMS. Por exemplo, se a ferramenta de BPMS oferece mecanismos nativos para alertas por email, que estejam embutidas na própria configuração das atividades humanas, todas as atividades de alerta que temos no exemplo acima não seriam necessárias, como por exemplo a atividade “Alerta para enviar OC”.
- O diagrama TO-BE que foi modelado numa ferramenta, mas implementado em uma ferramenta diferente, pode fazer com que uma tarefa que havia sido modelada de uma determinada forma tenha que ser, por restrições e características técnicas do BPMS, implementada de forma diferente.
- A perspectiva sob a qual o processo é modelado. Se o processo TO BE foi modelado unicamente sob a perspectiva de negócio (em que o controle do processo é executado por pessoas), ou se ele foi modelado já sob a perspectiva da automatização (em que o controle do processo é realizado pelo BPMS).
Percebemos, no mercado de ferramentas de BPMS, que existe um movimento no sentido de deixar a transição do modelo TO-BE para o modelo automatizado um pouco mais suave. Na última versão do Oracle BPM 11g, por exemplo, apenas 3 tipos de atividades (humana, serviço e regra de negócio) serão exibidas por padrão na trilha de auditoria dos processos, ocultando outras atividades mais técnicas (ex: adapters, scripts) que possam estar sendo utilizadas.
Podemos ver que não existe uma solução ou resposta simples para esta questão, em virtude da quantidade de fatores envolvidos que podem gerar esta diferença dos processos TO-BE em relação aos processos automatizados.
Uma forma de minimizar este impacto é que a equipe de tecnologia (analista de sistemas) se envolva no redesenho do processo, analisando juntamente com a área de negócio as melhorias tanto sob o aspecto de negócio quanto sob o aspecto tecnológico, de forma que o analista de sistemas traga para o TO BE a perspectiva do processo automatizado.
Uma resposta
Belo artigo, Carlos, parabéns!
Realmente é uma preocupação constante de ambos os lados, analistas e clientes da área de negócios.
Acredito que grande parte do “problema” está na expectativa gerada pelas ferramentas de BPMS ao insinuarem qu seus produtos permitem que o processo seja automatizado a partir do desenho de negócio “praticamente sem alterações” (ainda encontramos quem afirme ser possível “Definir um processo e transformá-lo em uma aplicação WEB sem programação de forma rápida e fácil”).
De fato, se o processo automatizado executa funcionalmente o modelo TO BE então o processo está aderente ao modelo. O fato de haver mais “caixinhas” na implementação em um determinado BPMS é inerente às características da própria ferramenta, das tecnologias envolvidas ou da técnica utilizada para atender ao requisito funcional, ou todos esses fatores juntos.
Seria interessante se as ferramentas de BPM pudessem oferecer duas visões do processo em execução, uma de negócio e outra mais técnica, mas a ausência dessa possibilidade não é nenhum impedimento para o entendimento do que está acontecendo funcionalmente no tracking de uma ferramenta de automação.