Quando buscamos soluções de BPMS (Business Process Management System), um dos argumentos mais sedutores lançados pelas equipes de vendas dos produtos é o de “zero-code”, ou “código zero”. Zero-code é a promessa de que o produto permite que um usuário de negócio possa modelar seu processo e disponibilizá-lo para execução automatizada sem a necessidade de desenvolver código de programação.
Esta proposta vem de encontro a uma percepção geral do negócio em relação à TI. Num cenário em que as organizações possuem inúmeros sistemas, nas mais diferentes plataformas e tecnologias, e em que o suporte tecnológico encontra dificuldades em atender com agilidade as necessidades do negócio para acompanhar às mudanças estratégicas do mercado, as empresas já não querem mais TI. Querem resultados.
Assim, a expectativa de poder modelar seus processos e executá-los sem requerer o envolvimento de analistas de sistemas e desenvolvedores soa extremamente atraente.
Mas o que significa de fato “zero code” e até onde um processo pode ser implementado com esta visão?
Parte desta impressão é alimentada pela adoção de uma “linguagem” de modelagem de processos em comum: a notação BPMN (Business Process Model and Notation). BPMN permite que a documentação de um processo em nível de negócio possa ser complementado para adquirir profundidade técnica à medida que é preparado para a implementação. Assim, o processo de negócio modelado pela área de negócio pode ser o mesmo a ser implementado no BPMS adotado pela organização.
O fato de BPMN permitir que usuários de negócio possam mapear e detalhar seus processos, leva muitas ferramentas vislumbrar a participação destes usuários de forma mais ampla do que a simples definição e detalhamento para o desenvolvimento de aplicações tradicionais. O usuário de negócio capacitado pode: definir a cadeia de atividades e suas dependências, definir regras de negócio para manejar fluxos alternativos, detalhar o que deve ser solicitado a cada participante nas atividades para que as mesmas sejam consideradas como concluídas, definir quem são os responsáveis por realizar o trabalho de cada tarefa.
Para tanto, existem algumas premissas básicas na realização de um projeto como este:
I. O(s) usuário(s) de negócio precisa(m) ter alto domínio sobre tecnologia e sobre a ferramenta para compreender e aplicar corretamente cada um de seus recursos;
II. O(s) usuário(s) de negócio deve(m) ter noções de construção de telas/formulários através do qual os participantes irão interagir com o processo em suas atividades;
III. O processo deverá ser essencialmente humano e restrito às informações coletadas em sua execução.
O resultado do processo sem envolvimento da TI está de certa forma limitado às funcionalidades mais básicas da solução de BPM, produzindo um workflow de atividades humanas com baixo nível de (ou sem) inteligência. Sem programação não é possível utilizar-se da inteligência que a organização já possui e que está distribuída nos seus sistemas sob a forma de informação.
Um dos aspectos mais importantes do processo é a informação. Naturalmente, durante o desenho do processo de negócio são identificadas necessidades de informações que precisam ser reunidas de fontes diferentes e eventualmente transformadas para sustentar a execução do processo.
Assim, inevitavelmente a participação de profissionais de TI acaba sendo necessária. Não apenas para o resgate e armazenamento de informações no decorrer do processo, mas a própria questão da interface do usuário nas atividades do processo – que muitas vezes requer mais do que oferece o formulário básico que pode ser construído com os recursos disponibilizados pela ferramenta.
O que ocorre então é a necessidade da própria TI rever seu papel, sobretudo do Analista de Sistemas. O novo analista deve ajudar a construir o processo, identificando juntamente com o negócio os componentes de software que precisam ser desenvolvidos para:
- coletar informações do processo para alimentar os sistemas legados;
- buscar informações de sistemas legados para disponibilizar aos participantes do processo, minimizando a necessidade de acessar a diferentes sistemas para isso;
- identificar melhorias de interface que reduzam o esforço de interação do usuário com o processo (como busca de valores existentes, cálculos, etc);
- identificar validações que possam ser feitas pelo sistema para garantir a integridade do processo;
- identificar formas mais eficazes de realizar o balanceamento de atividades em grupos.
Automatizar atividades humanas sem fazer uso inteligente dos recursos computacionais da empresa no que se refere à obtenção de informações agregará pouco ou nenhum valor ao processo e como consequência apresentará retorno do investimento muito abaixo das expectativas.
3 Responses
Kelly,
Parabéns pelo excelente artigo. É um alerta essencial aos interessados em adotar uma ferramenta de gestão de processos e pode ajudar a evitar erros em projetos e desperdício de recursos.
Abraço.
Muito bem pontuado, algumas simplificações usadas pelo “comercial” devem ser digeridas com cuidado para não criarmos falsas espectativas nas áreas usuárias.
Compartilho e ratifico suas palavras, Parabéns!!!
Obrigada pelo seu comentário Dullio, minha preocupação era justamente essa de orientar as expectativas de resultados que podem ser obtidos dessas soluções.
Abraço cordial!