Para muitas organizações, um passo fundamental para estabelecer seu conhecimento sobre o negócio é a modelagem dos processos de ponta a ponta. Mas sem uma estruturação deste modelo o resultado desta atividade dificilmente será aplicável pela organização.
Um caso emblemático que aconteceu há alguns bons anos atrás, foi quando recebemos um processo modelado por um profissional externo contratado pelo cliente que chegou às nossas mãos para que propuséssemos uma solução de automatização com um BPMS. Nada fora do comum, exceto que o diagrama em questão, modelado em BPMN, possuía em torno de 60 raias, mais de 750 tarefas operacionais, e estimamos que em torno de uns 10km de setas conectando os elementos entre eventos, atividades e gateways. O fluxo era o produto de um ano e meio de levantamento de informações do profissional cuja intenção era representar no diagrama todo o trabalho realizado pela organização.
Não é preciso dizer que o desenho de processo criado foi pouco proveitoso, pois para entender uma parte qualquer da atividade do negócio era necessário percorrer as linhas com os dedos e dar sorte de chegar até ela seguindo os gateways corretos – quase como um labirinto.
O que faltou?
Faltou abstrair a visão do negócio através de uma uma Arquitetura de Processos.
Entendendo a Arquitetura de Processos
O conceito de arquitetura e o valor que ela proporciona ao negócio são muitas vezes mal compreendidos. Por exemplo, no que diz respeito a casas e outros tipos de edifícios, a arquitetura é usada para identificar e definir, em vários níveis de detalhe, os componentes de fundação, estrutura, cobertura, encanamento, elétrico e interior e como eles são montados. Da mesma forma, com relação aos negócios (e no contexto do Business Process Management), a arquitetura é usada para identificar e definir os componentes que compõem os negócios e os relacionamentos entre esses componentes, ou seja, produtos e serviços, recursos, processos e procedimentos, clientes, organizações, funções, produtos de trabalho, locais, eventos, regras de negócios, sistemas de informações, metas, indicadores de desempenho e assim por diante. [ABPMP BPM CBOK 3.0, Cap 2. Design de Processos]
Então, na modelagem de processos, a arquitetura é um arranjo dos modelos de processos em uma estrutura que descreva todo o negócio através das suas partes componentes. Ela pode ser criada atendendo estruturas (framworks) já bastante conhecidos, para reduzir a ambiguidade do conhecimento sobre o negócio, como por exemplo o The Zachman FrameworkTM, The Open Group Architecture Framework (TOGAF), Department of Defense Architecture Framework (DoDAF) ou modelos de referência.
Uma Arquitetura de Processos Corporativa possibilita:
- visualizar a integração dos processos em nível estratégico/corporativo com a possibilidade de dar um “zoom in” sobre uma atividade de negócio específica para compreender como ela acontece na organização (processos de trabalho e processos operacionais)
- compreender as dependências existentes entre processos e mapear os impactos de uma mudança em todos os componentes que afetam a execução dos processos de negócio e a entrega de valor ao cliente.
- identificar e corrigir problemas ocasionados por mudanças não planejadas, que afetam o desempenho do processo e as metas de entrega de produtos e serviços.
- avaliar que processos e componentes já existem e que podem ser aproveitados ou devem ser redesenhados para gerar a oferta de um novo produto ou serviço.
- definir indicadores de gerenciamento em níveis de abstração diferentes, podendo medir da efetividade do negócio (ou “estamos fazendo as coisas certas”) em um nível mais estratégico, até a sua eficiência (ou “estamos fazendo certo as coisas”), obtido da visão de processos em nível funcional ou operacional.
Entre outras aplicações importantes para uma organização que está desenvolvendo sua maturidade em processos de negócio.
Estruturando a Arquitetura de Processos da Organização
Não há um modelo de referência específico que sirva para qualquer organização ou número de níveis recomendados na criação de uma Arquitetura de Processos. Na verdade, a arquitetura trata muito menos de “quantos níveis de detalhe” devem haver e sim foca no que cada nível deve representar.
Organizar a arquitetura de processos em níveis de abstração possibilita que a organização identifique oportunidades para melhoria através do desdobramento em níveis incrementais de detalhamento, enquanto compreende como a cada atividade da operação realizada se encaixa no negócio ao elevar gradativamente o nível de abstração.
Assim, vamos explorar os diferentes tipos de visões que podem ser interessantes de serem organizados na arquitetura. Cada uma das visões a seguir representa um determinado nível de abstração sobre o negócio da organização.
Visão Estratégica (ou Visão Corporativa) | Atividade do Negócio
Apresenta os macro-processos em uma visão que permite compreender em um olhar de alto nível sobre tudo o que é feito na organização e como as principais atividades de negócio estão integradas. Com frequência é referenciado como o “Nível zero”.
A representação visual da visão estratégica comumente segue algum modelo de classificação de processos como:
- Process Classification Framework (AQPC PCF®)
Classifica os processos em duas categorias:
» Processos Operacionais
» Processos Gerenciais e de Suporte. - Value-Added Chain (VAC) de Michael Porter
A Cadeia de Valor Agregado, proposta por Michael Porter, classifica os processos originalmente em 2 categorias:
» Processos Primários (ou Finalísticos)
» Processos de Apoio (ou Secundários ou de Suporte)
Versões mais modernas da cadeia de valor propõem uma terceira classe de processos para visualizar os Processos de Gerenciamento. - Value Reference Model Framework (Value Chain VRM)
Apresenta um framework inspirado na Cadeia de Valor de Porter porém em um desdobramento que pode chegar a cinco níveis. No nível 1 (estratégico) as atividades são classificadas entre:
» Planejamento
» Governança
» Execução.
Todos estes modelos têm uma coisa em comum – buscam representar no seu nível mais elevado de abstração uma visão na qual a organização possa identificar sob qual macro-atividade um processo, atividade de trabalho ou tarefa operacional é realizada, à medida que desdobramos cada macro-processo nos níveis a seguir.
Nas organizações brasileiras, tem sido mais comum ver o mapeamento de nível estratégico implementado no modelo de Cadeia de Valor Agregado e o Process Classification Framework da AQPC.
Em termos de notação gráfica, é comum ver este nível representado graficamente por Diagrama VAC (Cadeia de Valor Agregado) ou fluxograma.
Visão Gerencial | Processos de Negócio
A visão gerencial é estabelecida pelo mapeamento do fluxo do Processo de Negócio olhando e compreendendo uma determinada atividade do negócio de ponta a ponta. Muitas vezes é referenciado como o “Nível 1” de processos.
Cada macro-atividade do nível estratégico é mapeado visualizando suas principais etapas, que podem muito bem se desdobrar em outros Processos de Negócio ou em Processos de Trabalho (workflow). Isto dependerá da complexidade do negócio representado. Enquanto alguns processos de negócio podem ser facilmente descritos numa combinação de uns poucos fluxos de trabalho, outros são muito mais complexos e envolvem a combinação de processos.
Nesta visão, ainda é mais importante entender quais as atividades de negócio são realizadas e como estão interligadas, do que propriamente quem é responsável pela sua execução.
Em termos de notação gráfica, as organizações variam na adoção entre Diagrama VAC (Cadeia de Valor Agregado), Diagrama EPC, fluxograma ou Diagrama BPMN de Orquestração de Processo.
Visão Tática | Processos de Trabalho
A Visão Tática em uma arquitetura de processos busca representar o detalhamento do Processo de Trabalho (fluxo de trabalho, ou workflow), que em geral é uma atividade de um Processo de Negócio modelado no nível da visão gerencial. Esta visão geralmente é estabelecida no chamado “Nível 3”.
Neste nível, a modelagem do processo geralmente explicita o quê é o trabalho realizado para cumprir aquela etapa do processo de negócio: quais são as atividades, quem são seus responsáveis, como é a sua ordem de precedência, que diferentes sequências de atividades podem existir de acordo com alguma condição do negócio, em um modelo que representa a lógica sequencial do trabalho realizado.
Um fluxo de trabalho modelado na visão tática também pode ser detalhado em subprocessos para abstrair pontos de complexidade, ou quando o processo é longo e complexo.
As notações de modelagem de processos mais utilizadas para representar graficamente um fluxo de processo de trabalho é o BPMN, o fluxograma e o EPC.
O BPMN tem se mostrado a notação mais adotada pelo benefício de possibilitar que um fluxo de trabalho mapeado pelo negócio possa, com poucas adaptações, ser automatizado em uma plataforma BPMS.
Visão Operacional | Processos/Procedimentos Operacionais
Dependendo da necessidade de formalização e detalhamento da execução de uma ou mais atividades de um processo de trabalho, é possível que algumas organizações cheguem ao detalhamento da visão operacional. Este é o quarto nível de detalhamento de processos.
Neste nível, uma atividade de um processo de trabalho é detalhada de forma a explicitar como o trabalho é feito: quais ferramentas são usadas, qual o passo a passo realizado para executar a operação, quais as práticas adotadas pelo profissional que executa a tarefa, quais os prazos e custos estimados e realizados.
A visão operacional também pode ser representada graficamente através de diagramas em BPMN ou fluxograma mas é mais comum que sejam formalizados como documentação complementar – por exemplo através de POP (Procedimentos Operacionais Padrão).
A visão operacional tem sido uma das fontes de identificação de oportunidades de automatização através da robotização de tarefas (Robotic Process Automation – RPA).
Até que nível de representação da Arquitetura de Processos eu devo ir?
A grande questão em torno da Arquitetura de Processos é o entendimento equivocado de que ela só estará completa quando todas as atividades, tarefas e processos estiverem mapeadas e detalhadas nos diversos níveis listados acima.
Este é um trabalho árduo, que consome muito tempo da organização e que dificilmente traz resultados satisfatórios.
Enquanto o modelo representado na Visão Estratégica (Corporativa) e Gerencial (Processos de Negócio) tendem a ser estáveis por algum tempo na vida a organização, o Nível Tático (Processo de Trabalho) pode sofrer revisões com maior frequência, e as definições em Nível Operacional ocorrem muitas vezes organicamente, no dia a dia da organização, às vezes sem mesmo chegar ao conhecimento da liderança executiva.
As mudanças no nível estratégico ou gerencial acontecem com menos frequência pois ocorrem em situações como quando a organização passa a oferecer um novo produto/serviço ou realiza uma mudança em nível estrutural (como uma fusão, venda de parte do negócio ou aquisição do negócio de uma outra empresa).
Já as mudanças no Nível Tático acontecem em virtude das ações estratégias adotadas pela organização ou necessidades provenientes de urgências operacionais (por exemplo: a mudança de uma legislação que necessita que o fluxo de trabalho realizado seja readequado para atender aos requisitos da lei).
E no Nível Operacional, as alterações são ainda mais frequentes, pois ele reflete as adaptações da operação à constante busca por um pouco mais de ganho de eficiência operacional – por exemplo: a troca de ordem na sequência de passos, paralelismo de ações ou a substituição de um formulário de papel por um formulário eletrônico já impactam as definições de um processo operacional.
Portanto, há ganhos muito mais significativos para a organização em conhecer e estruturar os níveis Estratégico e Gerencial, podendo em alguns casos avaliar a necessidade do detalhamento do nível Tático e em casos muito específicos (como a necessidade de material que viabilize treinamento de uma equipe com alta rotatividade ou por regulações como as requeridas nos negócios relacionados a saúde e segurança) o detalhamento de atividades específicas no nível operacional.
Assim, nossa recomendação é:
- Elabore e mantenha a arquitetura da Visão Estratégica e Gerencial (Processos de Negócio) para consolidar o entendimento do negócio realizado pela organização e guiar projetos de transformação de processos.
- Priorize quais Processos de Negócio valem a pena serem detalhados em Fluxos de Trabalho para o Nível Tático, considerando os mais relevantes para análise, redesenho e transformação.
- Seja bastante criterioso sobre a real necessidade de detalhar o nível operacional, selecionando as atividades na qual esse detalhamento seja de fato necessário, e neste caso defina responsabilidades para mantê-lo atualizado.
10 Responses
Muito boa explicação, eu trabalho com arquitetura de processos e esse material e muito bom!!! Parabéns ao blog!!! Até o momento não encontrei ninguém que conseguisse aplica toda essa estrutura de viés de arquitetura
Olá. Ótimo material! Uma dúvida: qual ferramenta poderia utilizar para representar o VAC e seus desdobramentos? O Bizagi permite isso?
Olá Allan,
O Bizagi não possui os elementos de diagrama de Cadeia de Valor. Existem vários outros editores (como o Visio por exemplo) que contém esses elementos.
Mas a cadeia de valor (sequência do trabalho de forma encadeada para gerar o valor da organização) também pode ser representado com BPMN.
Kelly, tudo certo? Me salva! Rsrsrs’
A partir de um macroprocesso representado na cadeia de valor, já consigo modelar esse macroprocesso através da orquestração até o nível de execução da atividade?
Se sim, recomendaria o uso do BPMS a partir do nível mais alto do macroprocesso, com o intuito de controlar o macroprocesso em sua integridade?
Oi Paulo,
Sim, o subprocesso é o elemento que te ajudará a fazer o link entre os níveis de detalhamento dos processos.
No uso do BPMS, geralmente a automação atua no nível de processo de trabalho (workflow), com a possibilidade de você criar um processo orquestrador que controle a sequência de workflows. Mas isso dependerá do nível de granularidade dos processos.
Neste artigo há um exemplo de um processo orquestrador e seus subprocessos, que poderiam ser automatizados no BPMS:
BPMN: demonstrando a continuidade de processos
Em outras situações, a integração entre os workflows não é tão automática ou tão simples considerando o nível de granularidade. Nestes casos, a gestão do processo de negócio se dá muito mais pela coleta, monitoramento e gestão dos KPIs (Indicadores Chave de Desempenho) dos workflows, observando a saúde e fluidez dos processos de trabalho que fazem parte do processo de negócio.
É preciso avaliar cada caso :)
Obrigado pela presteza, Kelly. Tem nos ajudado bastante!
Nesse caso, recomendaria considerar que no menor nível da AP constassem os processos ponta-a-ponta, possíveis de serem orquestrados para execução e, por outro lado, fossem desconsiderados na AP os subprocessos e atividades, mas considerados na análise AS-IS (no mapa ou modelo), após priorização? Seria um erro usar tal metodologia?
Caso assim optasse, os níveis superiores da AP poderiam ser agrupamentos sem sequenciamento lógico/orquestrado dos vários processos ponta-a-ponta, mas considerando a afinidade de objetivo/tema entre eles?
Exemplo:
Nível 1 – Macroprocesso de Gestão de Pessoas (composto por macroprocessos com esse objetivo);
Nível 2 – Macroprocesso de Obrigações Trabalhistas (composto por processos com esse objetivo);
Nível 3 – Processo de Concessão de Férias (ponta-a-ponta, possível de ser orquestrado/automatizado);
Olá Paulo,
O exemplo ajudou bastante a visualizar a sua ideia. Em termos de níveis, está apropriado.
Apenas penso que no segundo nível, talvez eu não consideraria ‘Obrigações Tabalhistas’ como um macroprocesso ou um processo.
O processo ponta a ponta de Gestão de Pessoas deveria ser a orquestração das macro atividades que acontecem na vida de um profissional dentro da empresa.
Assim, o segundo nível que eu veria seriam essas macro atividades, por exemplo: contratação > acompanhamento da carreira > desligamento.
Em contratação, você terá os processos de: abertura de vagas, aprovação das vagas, recrutamento e seleção até a contratação e o onboarding.
Em acompanhametno da carreira você terá: avaliação periódica, capacitação, gestão das férias, remuneração, movimentação, etc
Em desligamento: entrevista demissional, tramites demissionais, etc.
Podem estar faltando atividades aí no meio, estou só exemplificando algumas. Eu não penso em Obrigações Trabalhistas como atividade ou como processos, e sim como regras, que são aplicadas em diversos desses processos. Mesmo que as obrigações legais deixassem de existir, ou mudassem, os processos seguiriam os mesmos (talvez como eles são executados é que seria alterado).
Deixo pra você essa reflexão =)
Kelly, ficou claríssimo!
Me ajudou bastante. Clareou a forma como tinha entendido a AP. Vale ouro a sua ajuda. Obrigado!
Kelly, muito boa a sua explicação e demonstração. Obrigada!!
Existe algum software ou ferramenta para demonstrar (deixá-la pública) a arquitetura em seus vários níveis aos colaboradores da empresa? Permitir que consultem na Intranet, por exemplo. Como fazer isso?
Existem algumas sim, mas geralmente são plataformas BPA (Business Process Architecture) e são pagas.
Desconheço uma solução gratuita de publicação de arquitetura de processos.
Tenho trabalhado com o IBM Blueworks Live e é uma solução excelente, mas ele é bem mais do que uma plataforma para publicar processos, e sim apresenta toda uma metodologia e ferramentas para levantar, analisar e transformar processos, indo da descoberta para o AS IS e dali para o TO BE.
Também soube de solução nacional chamada Governance que tive a oportunidade de ver uma apresentação tempos atrás, ainda está na minha lista dar uma estudada na solução.
Como alternativa, tenho visto algumas empresas publicando seus fluxos em uma wikipedia ou na intranet. O Bizagi Modeler, por exemplo, possui um recurso de publicação web que permite navegar entre os diagramas dos processos/subprocessos e consultar detalhes das atividades com um clique sobre o elemento, mas este recurso é pago na versão atual.
Se não me engano o MS Visio também tem um recurso de publicação em que você pode adicionar links nos elementos do diagrama, que podem abrir outros diagramas ou documentos complementares.